Estamos aqui para desvendar um dos mais importantes discos da música brasileira. O incomparável - Academia de Danças(1974) do também genial - Egberto Gismonti.
E para esta coluna vou pedir licença e colocar os comentários de Eudes Baima encontrados no interessante site - Consultoria do Rock, que sintetizou fantasticamente um pouco deste universo. Lá vocês podem encontrar também comentários de outra pérola de Egberto - Corações Futuristas -
http://consultoriadorock.com/2014/05/30/a-fase-progressiva-de-egberto-gismonti/
E assim, faixa a faixa vocês poderão conhecer este trabalho primoroso. Degustem e procurem a "oportunidade" de se misturar com o melhor da música!
Por Eudes Baima
Academia de Danças,
O lado A de Academia de Danças, denominado Corações Futuristas, tem como mote os contos árabes
das Mil e Uma Noites, e se compõe de uma longa suíte conceitual, e o lado B,
batizado com o mesmo nome do álbum, de peças avulsas, com exceção dos dois
temas finais que remetem ao interesse de Egberto pela música do Alto Xingu (que
viria ser a ideia a conduzir seu álbum Sol do Meio Dia,
de 1978).
O disco abre com “Palácio de Pinturas”, uma peça
profundamente meditativa, iniciada com uma sequência orquestral, pontuada pelo
Arp Odissey de Egberto, para entrar num belíssimo solo vocal, de uma cantora
creditada apenas como Dulce, sobre uma base dedilhada ao violão. A melancolia
vai, aos poucos, se tornando dramática, com a entrada da banda, marcada por uma
condução pesada de Robertinho e sublinhada pela linha de órgão, que tanto pode
ser de Egberto como do tecladista Tenório Júnior, para finalmente desembocar
numa passagem jazzística, bastante próxima de certas sonoridades cultivada pela
Mahavishnu Orchestra, com uma base rítmica onde Roberto Silva mostra porque é
um dos maiores do mundo no instrumento.
A mudança de clima da faixa de abertura marca a passagem para
“Jardim dos Prazeres”, um exercício jazz-rock de condução contundente e
complexa, com impossíveis solos de violão. Na verdade é um baião enlouquecido,
emoldurado por delicada cercadura de teclados eletrônicos.
“Celebração de Núpcias” retoma o tom mezzo melancólico,
mezzo dramático, em torno de uma lindíssima melodia onde Egberto entrelaça sua
voz com a de Dulce, enquanto alinhava filigranas ao violão, sobre uma
orquestração de cellos e violinos em pizzicato que fornece
um clima de devaneio e de paisagem abstrata. Uma pérola que, entre as
maravilhas dos discos se sobressaia como o ponto culminante, embora estejamos
ainda no começo da audição.
“A Porta Encantada” nos traz um diálogo entre o violão
irreproduzível de Egberto com seus teclados sintetizadores, numa oposição
delicadeza-rispidez, tudo sobre uma arranjo de cordas que nos remete a uma
sensação de infinitude.
“A Porta” introduz na verdade uma versão pesada,
eletro-eletrônica do tema-força que percorre todo o disco, “Jardim dos
Prazeres”, mas que, nessa versão recebe o nome de “Scheherezade”, e que encerra
o lado que se poderia qualificar como conceitual.
Se, até aqui, o ouvinte está ofegante pela inquietante
variação de temas, climas e execuções, Egberto dá uma pausa, mas só para nos
sufocar com outras armas: a atmosfera opressiva da dobrada “Bodas de
Prata-Quatro Cantos” que, além das lindas melodias, têm letras versando sobre o
amargor do fim do amor. O clima opressivo, ou depressivo, se quiserem, é
“comentado” pela linha de órgão soturna que funciona como contraste da límpida
base executada ao piano. Nas duas faixas, deliberadamente enfileiradas, a
abordagem elétrica se dá do ponto de vista da canção brasileira tradicional,
mesmo que, de convencional, não haja nada aqui. Ao contrário, as duas faixas
têm harmonia de entortar os dedos dos que por elas se aventurarem. Uma versão
alternativa e maravilhosa destas canções foi gravada pelo violoncelista
sino-francês Yo-Yo Ma.
Bodas de Prata
Quatro Cantos
A pausa intimista, mas, como disse, nada amena, prepara a
entrada de outro ponto culminante do disco, a versão orquestral-elétrica para a
já conhecida “Vila Rica 1720″, antes registrada com vocais no altamente
recomendável Água & Vinho, de 1972. Intensa, mas quase uma vinheta,
a faixa
anuncia “Continuidade dos Parques”, com sua introdução jazz que se derrama numa
melodia em scat que alterna sua suavidade vocal com breaks de certa violência.
“Conforme a Altura do Sol/Conforme a Altura da Lua” nos traz
de volta a altas voltagens de fusão, aqui reunindo um tema indígena, arranjo de
bases de hard bop, com improvisos de Egberto pilotando seus sintetizadores e
seu piano acústico de um jeito de fazer certos tecladistas de conservatório do
prog inglês pensarem em desistir da profissão. O clima concretista da parte
final nos lembra certas ousadias de Hermeto Paschoal, ou os momentos mais free
de formações como o Soft Machine.
Conforme a Altura do sol.
Conforme a altura da lua.
Para o
redator do Blog Esquina do Rock,
Academia de Danças é um dos mais complexos discos de
progressivo já gravado no Brasil e deve ser necessariamente conhecido pelos
pesquisadores deste gênero (…) entretanto, ele extrapola todas as influências
que naturalmente ocorriam nesta época, nos grupos de progressivo das terras
brasileiras, sendo um exemplo de originalidade musical.
Muito bem
dito.
Para quem quiser invadir mais ainda este universo, assistam o também interessante programa - Som do Vinil, onde Egberto Gismonti é entrevistado para falar deste disco célebre. É imperdível!