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Vamos ao tesouro! Vamos ao texto!
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Jan Dismas Zelenka(1679-1745) |
A
‘Missa Votiva’ de Zelenka
(ailton rocha)
“Esta obra não foi criada como encomenda, o
que a torna um exemplo ainda maior de arte vinda da necessidade mais íntima da
alma. Escrevera-a Zelenka como agradecimento ao Criador pelo recuperação
da saúde, após um doloroso período de enfermidade...”
Um excelente compositor que descobri por esses dias é Jan
Dismas Zelenka (1679-1745). Apesar de exumado no século passado, nos anos 50,
ainda hoje continua sem a atenção que merece. Essa pouca vontade de nossa
era a um dos mais originais compositores barrocos é uma das maiores injustiças
que já vi. Caso não conheçam, recomendo-o veemente.
Surpreendentemente original, Zelenka estrutura a orquestra como os
compositores do século 20. Ao ouvi-lo em uma programação de rádio, tive quase a
certeza de que era compositor moderno, da época de Poulenc. Uma das
características que mais distingue Zelenka de seus contemporâneos, além do
inventivo contraponto, é o ritmo, com enfoque no grave para se destacar entre o
agudo dos violinos. Nota-se na estruturação de sua orquestra um papel
importante permitido às violas da gamba, porque raramente usava os violoncelos.
No baixo contínuo é que há uma persistente marcação – dançante, eu diria –
inusitada na música sacra. As síncopes quase polirritmicas tornam o som
diferente e único. Ritmos assim seriam explorados quase à exaustão só pelos
compositores dos princípios e meados do século 20. E Zelenka, sendo ao mesmo
tempo moderno, levando em conta a época em que viveu, soa na polifonia também
como um renascentista erudito. De forma que nesse compositor entrelaçavam o
passado e o futuro, admiravelmente. Eis o estilo de Zelenka: um Palestrina do
século 20, embora vivesse nos meados do século 18, contemporâneo de Albinoni,
Vivaldi, Telemann, Bach e Handel. Telemann era amigo particular
dele. E Bach que também o conhecia, admirava-o imensamente. Ao
ler o ‘Magnificat em Ré maior’ pela primeira vez, disse: trata-se de um
excelente compositor. É avaliação de Bach. Acho que não preciso dizer mais nada.
E pasmem! Ainda hoje Zelenka continua quase desconhecido para a maioria. Mas
quem o conhece não economiza admiração.
Sabe-se pouco da vida pessoal de Jan Dismas Zelenka.
Nascido em Praga, na época pertencente à Boêmia, foi educado em colégio jesuíta
que consolidou a sua fé católica, à qual continuou fiel a vida toda. Essa
sinceridade religiosa é nítida na obra do compositor. Após estudos em
Viena e na Itália, fixou-se em Dresden, Alemanha, como obscuro contrabaixista
na orquestra da corte; na verdade, o seu instrumento era o 'violone', do qual
originou-se o contrabaixo moderno. Iniciando relativamente tarde como
compositor - com a idade de 30 anos - dedicou-se quase que exclusivamente à
música sacra, com algumas poucas incursões pelas obras orquestrais (5
Capriccios, concertos e ouvertures) e de câmara (os famosos 6 Trios
Sonatas, de 1721, muito apreciados pelos contrabaixistas). No gênero coral
sacro, com mais de centena e meia de títulos, distinguem-se as 22 missas -
algumas delas, diríamos, são as mais
belas e originais do período Barroco - apenas superadas pela ‘Missa
em Si menor’ de Bach - o que não é pouco pois essa missa colossal de Bach,
verdadeira catedral invisível, é um dos maiores monumentos artísticos da
humanidade. Da vida pessoal de Zelenka há poucos registros. Sabe-se que
nunca se casara, não deixou filhos nem discípulos. Pessoas que com ele
conviveram testemunham que era “homem bom e pacífico, sábio e muito
religioso”. Em Dresden viveu mais da metade da vida. Das pouquíssimas
vezes que viajara foi para apresentar em Praga uma de suas obras, a
única escrita para palco: ‘Sub Olea Pacis’ (1723), uma espécie híbrida
de oratório em latim, ópera e música incidental com
danças. Essa obra, atualmente aclamada como uma obra-prima, na época foi o
único sucesso do compositor em público.
Hoje as Missas de Zelenka são consideradas o ponto mais alto na
totalidade de sua obra, cujo pináculo está nas ‘Missa Votiva’ (1739),
‘Missa Dei Patris’ e ‘Missa Dei Filii’ (1740), e ‘Missa Omnium Sanctorum’ (1741),
todas escritas na última década de sua vida; sendo que as três últimas formam
uma trilogia que o compositor não ouviu em vida, a não ser no coração, pois só
foram apresentadas duzentos anos depois. Recomendo-as. Realmente, de uma
inteligência musical impressionante, de uma originalidade como poucas no
tratamento das vozes polifônicas do coro em contraste com os solistas
homofônicos, às vezes no estilo alegre do 'rococó', às vezes dramáticos
como em uma ópera ou intimistas como em uma prece, ou em tom popular,
utilizando as danças folclóricas da Boêmia, seu país de origem; tudo isso
acompanhado ora pelo uníssono das cordas em tessitura cromática, ora pelos
diálogos contrapontísticos de violinos e violas. Negar a beleza estonteante
dessa música é o mesmo que negar o brilho do sol.
Tornei-me um admirador incondicional das missas desse compositor
boêmio-tcheco. Para compreenderem que não estou errado, sugiro que ouçam
atentamente a ‘Missa Votiva’ nesta admirável interpretação do jovem regente
Václav Luks. Esta obra não foi criada como encomenda, o que a torna um
exemplo ainda maior de arte vinda da necessidade mais íntima da alma.
Escrevera-a Zelenka como agradecimento ao Criador pelo recuperação da
saúde, após um doloroso período de enfermidade, semelhante ao que fizera
Beethoven, quase um século depois, no movimento lento do Quarteto de Cordas
Op.132.
O júbilo do coro que há na ‘Missa Votiva’ e os momentos etéreos
dos solistas, principalmente a soprano, são água cristalina, poesia
pura, expressão artística da mais alta sinceridade - uma comovente certeza
de que uma Inteligência Suprema paira sobre nós, que nos protege e ampara
nos momentos mais difíceis da jornada.
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Acredito que todos ficaram curiosos.................vamos entrar então na música deste magistral compositor.
Ouçam sem moderação.