Melhor ator coadjunto - Oscar 2015 - J.K.Simmons |
"Whiplash - Em Busca da perfeição!" - O filme que deu o que falar no Oscar, concorrendo nas categorias de melhor filme, melhor edição de som e melhor ator coadjuvante para J. K. Simmons..........e levou estes dois últimos prêmios para casa, gerou muita euforia em nossa sessão.
No longa, a história de um jovem baterista travando um duelo para entender os métodos rígidos e controversos de um professor de Conservatório que leva às últimas consequências seu ensino para atingir a perfeição. O filme é de tirar o fôlego e tem uma trilha sonora toda especial e maravilhosamente bem tocada. Nos carros chefe, duas pérolas do repertório do Jazz, "Caravan" de Juan Tizol e Duke Ellington e "Whiplash" de Hank Levy!
Como foi em todas as sessões pelo mundo todo, o filme arrebata a todos os espectadores e não foi diferente em nossa sessão no Conservatório. Todos sairam extasiados após o filme.
Mas em minhas pesquisas sobre o filme encontrei um texto impecável comentando aspectos do longa-metragem e sem dúvida o texto é um relato real sobre a música, a música como arte e o estudo para se chegar aos caminhos da excelência musical.
Gostaria de copiar este texto para que todos lessem e levassem de lição as palavras sábias do guitarrista e músico Flávio Rodrigues. E desde já peço licença para transcrever aqui o texto precioso em sua íntegra.
Lembro para quem ainda não assistiu o filme que corra para a locadora mais próxima e assista já, pois viverá o texto abaixo com mais vigor! Para quem já assistiu, assista de novo e terá calorosamente mais sabor nas palavras abaixo. Mas de qualquer forma, a leitura por si só já é uma experiência inigualável para o aprendizado da música.
https://www.youtube.com/watch?v=BjyCGE32Xdo
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Whiplash - Em Busca da Perfeição!
Andrew era ainda bastante jovem. Não ostentava um grande
carro na garagem e nem uma namorada capa de revista. Seu singelo passatempo era
ir ao cinema com seu velho pai. No entanto, ele buscava a perfeição.
Matéria originalmente publicada no site DELFOS
Do
latim "perfectus", perfeição quer dizer completo, terminado. Buscamos
todos nós esta perfeição, este sentimento de estarmos completos em um mundo tão
cheio de lacunas. Alguns procuram num amor. Outros, num carro de luxo. Andrew
procurava nas pontas de suas baquetas.
O filme de Damien Chazelle, Whiplash: Em Busca da Perfeição, tem
conquistado a crítica não só pela música, mas pela sua mensagem forte e
visceral por essa busca incessante, levada à tela com maestria nos papéis de
Miles Teller e J. K. Simmons, que entregam a nós uma explosiva relação de aluno
e mestre, ambos em busca do mesmo e inalcançável objetivo.
Como músico profissional, ver tudo aquilo retratado na tela
trouxe mais do que uma simples catarse, mas um profundo pensamento sobre nossas
escolhas e nossas buscas pessoais. E para quem acha que o filme tem uma imagem
fantasiosa e com exageros, com minha experiência pessoal posso afirmar que,
pasmem: o filme é mais realista do que você pode pensar.
IT`S A LONG
WAY TO THE TOP IF YOU WANNA... JAZZ?
O jazz é, sem dúvidas, um dos estilos musicais mais
fascinantes e herméticos do mundo da música. Aliás, você que diz "não
gostar do estilo", saiba que existem diferentes ramificações que vão do
Swing das big bands de Count Basie, o Bebop acelerado de Charlie Parker e o
charmoso Cool Jazz de Chet Baker, para citar apenas alguns.
Minha imersão no mundo do jazz veio quando ingressei na
faculdade de música, no ano de 2011, onde eu também tive a oportunidade de
mergulhar de cabeça na convivência com os mais diferentes músicos.
Escalas, arpejos, domínio da linguagem. O jazz sem dúvidas
não era para qualquer um. Era como aprender uma língua nova, totalmente
diferente, e eu sofria para fazer a minha guitarra falar algumas frases.
A exigência técnica me pedia horas de estudo por dia.
"Nos dias mais difíceis, estude no mínimo quatro horas", dizia meu
professor. E não havia desculpa para falta de tempo. Qualquer tentativa nesse
sentido seria rebatida com um "o que você faz da meia-noite às 6?". A
resposta normal era dizer que dormia, e ele respondia: "pronto, arranjei
seu tempo".
Ao ouvir cada disco, cada improviso, a impressão era de que
nunca chegaria aos pés daqueles músicos. Nunca conseguiria tocar algo parecido.
Mas eu continuava.
Em meus dedos não havia sangue como o drama de Hollywood, mas
os calos eram cada vez mais grossos. As costas doíam pelas horas na cadeira
sentados em frente de uma partitura muitas vezes indecifrável. Mas eu
continuava, todos os dias, sem sábado ou domingo. "Se você ficar sem tocar
um dia, seus músculos percebem a diferença. Se ficar sem tocar dois, você
percebe a diferença. Se ficar sem tocar três, todo mundo percebe", dizia
meu mestre.
O sangue e suor não são meros recursos estéticos da película,
e são extremamente presentes na vida do músico. Thomas Edison já dizia que o
talento é feito de 1% de inspiração e 99% de transpiração, e era preciso
transpirar ainda muito mais.
HEY, SATAN!
PAID MY DUES! PLAYIN` IN A JAZZ BAND
Quando era jovem e sonhava com o mundo da música sempre tinha
em mente, assim como muitos jovens que talvez estejam lendo este texto, grandes
estádios lotados, pessoas gritando meu nome, groupies por todas as partes e uma
vida glamorosa. Aos poucos você entende que viver de música não tem a ver
necessariamente com fama ou com o que as pessoas acham que é ser um bom músico.
A cena do jantar, onde Andrew se revolta vendo a pouca
atenção que recebe pelo seu feito, ilustra bem essa situação. Desenhamos em
nossas cabeças os ideais a serem alcançados, e não consideramos sucesso quando
estas expectativas não são atendidas. Aos poucos, aprendemos que a arte nada
tem a ver com fama, e que a busca por este momento completo é uma corrida muito
mais cheia de obstáculos do que era previsto. Além disso, não há nenhuma
garantia: ser músico é aprender que os seus melhores solos podem sair num
quarto fechado, sem nenhuma gravação ou alguém para escutar, pois não há
segunda chance. A música é viva.
Em busca de reconhecimento, muitas vezes passamos por
detestáveis ou arrogantes, e em algumas outras tratamos a arte como uma
competição. Não foram poucas as vezes que vi colegas torcendo para outros
errarem, para que estes se sentissem mais seguros.
Quem toca mais rápido? Quem sabe mais músicas "by
heart"? ("de cor" em português, mas, assim como meu mestre,
sempre preferi o termo em inglês)? Criamos uma incessante competição para
tentar mensurar o imensurável, e sofremos as consequências de nossas próprias
decisões.
Em meio a tudo isso, mestres como Fletcher são mais do que
reais. Homens apaixonados pela sua arte a ponto de serem desprezíveis são mais
comuns do que se imagina em grandes conservatórios. Homens que não admitem um
erro, não admitem que a sua arte seja manchada. Há de se compreender e
respeitar as horas dedicadas que o tornaram mestre. Por trás das atitudes
questionáveis há um profundo respeito pela música e pelas horas em busca de uma
nota na hora certa.
LET THERE BE JAZZ
Em meio a todos os percalços, nós seguimos, buscamos a tão
desejada perfeição. A música é uma das artes que mais incessantemente busca por
ela. Há um apreço pelo virtuoso como não há em muitas outras. E isso acontece
muito por conta de que é a arte em que a perfeição nunca será permanente.
A música é um momento no tempo. É fugaz, passageira. Um
improviso é um respiro daquele momento único e presente, e não há como
captá-lo. Você pode pensar que é possível gravar um solo perfeito, e eu te digo
que não, pois a música só acontece ao vivo. Gravações não passam de meras
tentativas de capturar o incapturável, até porque o solo perfeito pode ser
perfeito para aquele e somente aquele momento, e não para depois. A música está
ligada à passagem do tempo como nenhuma outra arte. Podemos olhar as telas de
Da Vinci, tocar as esculturas de Michelangelo, mas nunca ouvir das mãos de
Beethoven alguma de suas composições.
Andrew sabe disso, e é por isso que deixa tudo para trás, em
busca dessa tão inalcançável perfeição na mais imperfeita das artes. Não há
modelo na natureza para seguirmos, como em outras áreas. A música é uma criação
genuinamente humana.
FOR THOSE ABOUT TO JAZZ... WE SALUTE YOU!
Muitos músicos fazem sucesso com pouco estudo, é verdade.
Muitos levam a vida como uma grande festa, um grande luau de poucos acordes.
Mas a música vai muito além disso. Não estou aqui falando de negócios, mas sim
de arte.
O talento, algo que usamos incessantemente para descrever
grandes feitos, não vem desacompanhado de muitas horas de estudo, dedicação e
suor. O lado bom é que, como sempre digo aos meus alunos, "a música não é
ingrata. Se você se dedicar a ela, ela vai te retribuir", mas essa
retribuição nada tem a ver com sucesso ou dinheiro.
E, mesmo assim, inexplicavelmente, ficamos com a fama de
preguiçosos, vagabundos, ociosos. Mal sabem eles. Na faculdade, brincávamos
entre nós dizendo que "se você não quer estudar, que vá fazer
medicina". A virtude mais desejável em um músico é a disciplina.
Todos nós, músicos ou não músicos, seguimos, em busca de nos
sentirmos completos. E nessa incessante busca pelo inatingível, botamos à prova
todos nossos limites. Como Andrew, não são poucos os momentos em que pensamos
em desistir de tudo, largar mão e jogar tudo para o alto. Muitos, de fato, fazem
isso. Mas é exatamente isso que separa os vencedores dos que apenas tentaram.
Andrew trouxe a nós um lindo solo no final da película. Ele
alcançou, enfim, a perfeição? Nunca poderemos saber, mas eu prefiro acreditar
que não. Como músico, creio que certamente ele deve ter pensado que ainda está
longe, que ainda tem muito a evoluir, a aprender. Este é o maior carma do
músico: a autocrítica. Creio que não importa quão bom for o improviso, sempre
iremos procurar por mais. Aí está o grande paradoxo de nossa busca: a perfeição
só será alcançada pelos outros, e nunca por nós mesmos.
Portanto, se você é músico, eu saúdo você por todos os
desafios que enfrenta e enfrentará até o fim de seus dias nessa guerra
invencível. E a você, que não é músico, creio que você não é diferente nessa
busca. No fim, todos nós, cada um em sua área, buscamos a nossa maneira de
estarmos perfectus, completos.
E, assim, caminhamos e evoluímos. Crescemos e nos
desenvolvemos. No fim, não há nada mais docemente perfeito do que a amarga
imperfeição.
Fonte: Resenha - Whiplash - Damien Chazelle http://whiplash.net/materias/cds/219008.html#ixzz3U1C3Nlyw
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