"Em conversa com o amigo Edgard de Brito, um exemplo de
músico e incansável soldado em luta para levar o maior conhecimento possível
aos seus alunos, eu observava a ele que talvez a única coisa produtiva que
realizei no meu curso de Licenciatura em Música foi poder, através de minha
monografia intitulada “A INTERDISCIPLINARIDADE E A TRANSDISCIPLINARIDADE NA
FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES DE MÚSICA” (2006), sugerir aos professores e
estudantes de música que existe, da parte da maioria deles um descaso quanto ao
enriquecimento cultural como um todo e que este se reflete numa ignorância
musical generalizada. O objetivo central da pesquisa foi tentar demonstrar com
exemplos tirados de casos específicos e também da boca de grandes mestres, que
não somente o estudo da técnica e da história da música (em alguns casos até
esta menosprezada), se faz necessário, mas também um enriquecimento intelectual
e sensível como um todo, uma aproximação da poesia, da pintura, da escultura,
da literatura, da filosofia e mesmo da ciência, é de fundamental importância
para que se proceda uma aproximação maximizada, um entendimento maior do todo,
e um mais amplo aproveitamento da música. Sempre vi a “Imagem Musical” criada e ministrada pelo professor
Edgard, como a única filosofia de ensino do universo musical em nossa região,
que busca atingir estes objetivos. Ele me pediu um resumo de uma pequena parte
de meu trabalho. Envio agora para que ele avalie se estas palavras têm alguma
utilidade para se tornar uma contribuição para este conceito de entendimento da
arte e especificamente do ensino de tudo relacionado à música, objetivos estes,
que, apesar de eu não ter, nem de longe, a competência de meu amigo para
ministrar, compartilho com ele este ideal."
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A INTERDISCIPLINARIDADE E A TRANSDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO DOS
ESTUDANTES DE MÚSICA
Les parfums, les couleurs et les
sons se répondent
Charles
Baudelaire
Texto da monografia de Flávio Caldonazzo.
(Resumo de algumas partes)
Vivemos uma contaminação com o vírus do desinteresse de gerações
de estudantes e de professores que se deixam envolver pelo marasmo da
tranquilidade do mínimo, e não se aventuram a buscar a transformação deste
estado. Existem, logicamente, razões para este estado de inércia em relação à
modificação das políticas educacionais. Uma delas está ligada a um programa de
acesso irrestrito à educação, porém uma educação que acaba sendo massificada e
sem qualidade, que é a única que não oferece perigo para que se orientem as
pessoas a refletir de forma inteligente e participativa, o que seria uma ameaça
para o sistema neoliberal excludente atual. Desta forma esta educação alienante
se detém em um ensino precário e apático que acaba por ser também o responsável
por esta doença de estagnação cultural, agravada pelo distanciamento do
interesse pela leitura e pela alienação político-social, que sem dúvida é o
primeiro ponto a ser reformado para se começar a andar em direção a transdisciplinaridade.
Vejamos o que a esse propósito têm a dizer Paulo Freire:
[...] O educador não pode furtar-se, em determinados momentos, de
informar. E não pode na medida mesma em que conhecer não é adivinhar. O
fundamental, porém, é que a informação seja sempre precedida e associada a
problematização do objeto em torno de cujo conhecimento ele dá esta ou aquela
informação. 1982, p.54)
Os professores que têm uma formação adequada para serem
motivadores desta transformação terão um trabalho árduo e, muitas vezes,
solitário, mas para que algum progresso venha a ser conquistado há que se deter
em uma questão que pode ser o primeiro fator que deve ser revertido: o hábito
da leitura. Mais ainda, o hábito da releitura e da reflexão sobre o que se lê.
Esta reflexão corresponde certamente a uma observação atenta de tudo que o
indivíduo encontra no caminho de suas pesquisas, uma audição criteriosa e
atenta das obras musicais, a reação crítica diante da programação da televisão,
a postura política diante das notícias da imprensa escrita ou televisionada.
Tudo isso são os fundamentos que levarão a uma ampliação das perspectivas
daquele que estuda ou daquele que ensina.
Pensando particularmente no estudante de música, ao qual sempre
temos que retornar, para que não se desvie o objetivo central do trabalho,
muito embora este objetivo central esteja definitivamente atrelado às questões
político-sociais abordadas acima, podemos citar Nikolaus Hanoncourt que nos lembra a observação que, a
propósito da leitura, fez o compositor romântico alemão Johannes Brahms
(1833-1897): “Brahms dizia que para tornar-se um bom músico era preciso
empregar tanto tempo lendo quanto estudando piano”.(BRAHMS, apud HANONCOURT,
1998, p. 31).
O estudante de música, ou de qualquer matéria, deveria, pois,
reconhecer que a sua formação completa está vinculada a esta postura de um
estudo comparativo de todas as artes, textos, experiências, tradições populares
ou eruditas, de todas as pinturas que puder observar, de todos os filmes e
peças teatrais que puder assistir com a finalidade de ampliarem seus horizontes
perceptivos, exercitando sua mente no sentido de absorver tudo e formular
pensamentos e conclusões, seguramente estarão dando passos seguros, criando
condições para a realização máxima de suas potencialidades e consolidando o seu
aprendizado.
Da mesma forma, um professor comprometido, que fosse amparado por
uma instituição igualmente comprometida não consideraria desnecessária a
preocupação com a existência de um abandono de matérias que parecem ser antes
muito mais próximas do que distantes de todos os temas. Se pensarmos que nos
cursos de artes, de literatura ou filosofia, existem critérios de relação
íntima entre todas estas disciplinas, tal preocupação de uma maior atenção à
multiplicidade é mais do que justificável. Basta para se ter certeza disso,
pensar em como na realização de seus trabalhos, os compositores, escritores,
pintores e filósofos foram motivados e inspirados por temas clássicos, pelo
folclore, por costumes diversificados, fossem eles universais ou regionais e
que estes temas desempenharam papel muito relevante em muitas criações
artísticas. Não raras vezes a familiaridade com assuntos diversificados, serão
a chave principal na inteligibilidade de algum termo importante para um contexto
interpretativo onde se nota que o que aparentemente poderia ser considerado
desnecessário ao estudante, pode sob outro prisma de avaliação ser
essencial.
No curso de Interpretação Musical o pianista e regente suíço
Alfred Cortot (1877 – 1962), afirmou: [...] Poderíamos sustentar que não há
arte que, acima da interpretação musical, suponha o manejo delicado, a
compreensão requintada de todos os tipos de emoções ou de sensação que se trata
de transferir ao espírito do ouvinte pela magia misteriosa das sonoridades.
Rousseau afirmou: ‘Para se elevar às grandes expressões da música, seria
necessário ter feito um estudo particular das paixões humanas e da linguagem da
natureza’.Tolstoi acrescenta: ‘A arte é a comunicação dos sentimentos
experimentados’.(CORTOT apud THIEFFRY, 1986, p.16)
Estes exemplos são, no entanto, apenas algumas gotas no oceano de
disciplinas de formação das quais se deveriam fornecer, pelo menos, os
conceitos básicos mais importantes, se quisermos que as gerações futuras não se
entreguem definitivamente a uma especialização extrema que acabe por tornar
todos ignorantes em tudo que não é a sua micro especialidade. Um dos exemplos
mais significativos de professor bem-sucedido e que sempre valoriza na cultura
(para retornar ao início deste capítulo) a vida essencial existente nela, é o
do educador e psicólogo mineiro Rubem Alves. Existe em todos os textos de Rubem
Alves, um entendimento e uma vivacidade que mostram aspectos culturais que ele
chama à luz em todo momento ao construir os seus escritos, que são os mais
variados. Embora demonstrando um vasto e eclético conhecimento cultural, em
seus textos jamais transparece a menor sombra de pedantismo ou arrogância.
Torna-se evidente que este autor-educador, é alguém que tendo galgado os degraus
até um estágio de compreensão ampla, reconhece na simplicidade de tudo todas as
coisas que ele viveu ou leu, equiparadas e igualitárias. Não atribuiu, ele, à
filosofia de um pensador famoso ou a uma Paixão de Bach um peso maior do que o
de um causo que ouviu de um caipira, ou a uma moda de viola, tocada e cantada
em uma cozinha de uma velha casa do interior dos país. Não deixa, no entanto,
de chamar como sua testemunha, ao contar suas histórias, seja uma superstição
da roça, uma concepção filosófica de origem europeia, ou um poema de autor
famoso. E nestas relações, lê, compreende e enxerga a unidade da arquitetura do
todo e depois nos informa sobre uma beleza e empatia entre tudo isso de maneira
sincera em seus escritos. Isto pode ser observado ao lermos alguns trechos de
escritos de Rubem Alves que demonstram o trânsito fácil deste autor
(notadamente um autor contrário à valorização da rigidez de pensamento ou no
conhecimento) por áreas da cultura, para tentarmos continuar demonstrando, a
necessidade de se passar por estágios de aprendizado, para podermos conquistar
a liberdade de pensamento e de escolha: [...] Comecei a gostar dos livros mesmo
antes de saber ler. Descobri que os livros eram um tapete mágico que me levavam
instantaneamente a viajar pelo mundo... Lendo, eu deixava de ser o menino pobre
que era e me tornava um outro. [...] Eu passava horas vendo as figuras e não me
cansava de vê-las de novo [...] Um outro livro que me encantava era o “Jeca
Tatu”, do Monteiro Lobato. Começava assim: “Jeca Tatu era um pobre caboclo...”
De tanto ouvir a estória lida para mim, acabei por sabe-lo de cor. “De cor”: no
coração. Aquilo que o coração ama não é jamais esquecido. [...] Florais de Bach: confesso
minha ignorância. Nada sei sobre os seus poderes. Mas sei muito sobre os
poderes terapêuticos dos “Corais de Bach”. A música tem poderes mágicos.
[...] Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o sonho de escrever um poema
de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra que contivesse o mundo. T.S.
Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz que temos “conhecimento de
palavras e ignorância da Palavra”. A poesia é uma busca da Palavra essencial, a
mais profunda, aquela da qual nasce o universo. (http://www.rubemalves.com.br/).
Um ponto importante que se pretende demonstrar também, é que a
conclusão de que tomar a decisão de se deixar de lado estudos que deem uma
noção razoável da cultura e do pensamento de importantes autores antigos,
modernos, ou contemporâneos, sem tentar encontrar alguma solução alternativa
que possibilite um convívio mais próximo com estes estudos, não parece ser algo
inteligente e que contribua para a melhoria do ensino. Ainda que esta atitude
não torne os cursos mais rápidos, a preocupação em ministrar pelo menos as
bases e os aspectos principais dos conhecimentos clássicos, e de outros,
deveria ser encarada como ferramenta fundamental à realização de uma prática
adequada na busca da excelência no ensino. A solução pode ser a fomentação da
pesquisa, da indagação, e isso só será possível através do emprego de uma nova
política educacional que valorize professores capazes de abraçar esta filosofia
de ensino, sendo modernos na condução das aulas, sem desprezar, por descaso ou
desconhecimento, o ensino da cultura e do pensamento de todas as épocas.
Existe um exemplo muito interessante que trata desta postura mais
aberta na educação, de como se deve colocar os alunos em contato com os
conhecimentos clássicos, e critica as formas ortodoxas de se lecionar, no famoso
filme americano, intitulado, “Dead Poets Society” (Sociedade dos Poetas
Mortos), realizado em 1989 pelo diretor Peter L. Weir. Neste filme o personagem
vivido pelo ator Robin Williams, o professor Keating, em sua aula inaugural,
diz para os seus alunos rasgarem a introdução de um compêndio de poesia que a
escola utilizava no programa do curso. Ele toma esta atitude, como fica claro,
por discordar da forma fria, morta, e apenas geométrica, que o autor do ensaio
introdutório do livro, demonstrava tratar a poesia, que para ele, deve ser
sentida de maneira viva e apaixonada. No entanto, no decorrer do filme, em
nenhum momento ele se coloca contra a necessidade de se aprofundar na leitura
dos grandes autores, mas o contrário é o que acontece. Isto fica demonstrado
quando, ao contar aos seus alunos sobre a sociedade que ele integrara na sua
época de aluno daquela Instituição, os poetas mortos, diz-lhes que eles eram
como uma irmandade grega, e também românticos. Que se revezavam, nos seus
encontros, na leitura dos grandes escritores e na récita de poemas deles
próprios. Porém o que difere aquele professor de outros daquela escola, e que
ao ensina-los, ele os deixa “transgredir” as normas obsoletas da escola, joga
futebol com os alunos, ensina a eles expressão corporal e como extrair de si
mesmos os seus próprios poemas.
O compositor Russo, Igor Stravinsky, não obstante as inúmeras
inovações realizadas em suas composições, ou talvez por isso mesmo, afirma que
para ele é de fundamental importância o conhecimento das antigas formas,
demonstrando isso, neste trecho de sua Poética Musical em Seis Lições: [...]
Minha liberdade, portanto, consiste em mover-me dentro da estreita moldura que
estabeleci para mim mesmo em cada um de meus empreendimentos. Irei ainda mais longe:
minha liberdade será tanto maior e mais significativa quanto mais estritamente
eu estabelecer meu campo de atuação, e mais me cercar de obstáculos. Tudo o que
diminui a restrição diminui a força. Quanto mais restrições nos impusermos,
mais libertamos nossa personalidade dos grilhões que aprisionam o
espírito[...]De tudo isso concluímos pela necessidade de dogmatizar sob pena de
perder o nosso objetivo. Se estas palavras nos incomodam e parecem duras,
podemos abster-nos de pronunciá-las.
Apesar disso, elas contêm o segredo da salvação. ‘É evidente —
escreve Baudelaire — ‘que a retórica e a prosódia não são tiranias inventadas
arbitrariamente, mas uma coleção de regras exigidas pela própria organização da
realidade do espírito, e jamais a prosódia e a retórica impediram a
originalidade de manifestar-se plenamente. O contrário, isto é, que
contribuíram para o florescimento da originalidade, seria infinitamente mais
verdadeiro’. (STRAVINSKY, 1996, p.65)
Sob um aspecto diferente, outro importante compositor do século
XX, Arnold Schöenberg (1874-1951), especialmente significativo por ter sido o
precursor de um novo sistema de composição musical, e por conseguinte, de
inquestionáveis ideais modernistas, se não compartilha de todas as opiniões de
Stravinsky, quanto ao retorno a formas antigas, as utilizava, em aulas, tendo
escrito um tratado composto de três partes: Structural Funcions of Harmony
(Williams & Norgate, 1954), Preliminary Exercises in Counterpoint ( Faber
& Faber, 1963), e Fundamentals of Musical Compositions (Estate of Gertrude
Schönberg). Estes tratados, que resultaram de seus ensinamentos nos Estados
Unidos, eram dirigidos, segundo suas palavras, “aos estudantes médios das
universidades, assim como aos estudantes talentosos que almejam tornar-se
compositores”. Observava também o compositor da Segunda Escola de Viena, que:
“as formas-padrão simplificadas, que não correspondem sempre às formas
artísticas, auxiliarão o estudante a adquirir o senso formal e o conhecimento
dos fundamentos da construção” (SCHÖENBERG:1991,p.28). Querendo nos dizer que,
não necessariamente, somente os modelos utilizados pelos mestres antigos são
importantes, mas também os novos, que podiam inclusive ser construídos no
momento das lições. De onde decorre que se os valores estáticos são nocivos a
uma educação para a liberdade de pensamento, para a autonomia, e para a
criatividade, também poderíamos afiançar que a desvalorização de lições já
conquistadas pelo homem na sua formação intelecto-cultural também será um fator
prejudicial a esta mesma educação.
Poderíamos ainda observar que ao construir novos modelos e
registra-los, um dia eles se tornarão fórmulas do passado e nem por isso
deverão ser descartados. Se a atitude do homem tivesse sido a de ir abandonando
o que era por ele mesmo conquistado através dos anos, não haveria registro de
nada, e o homem, muito provavelmente, já teria sucumbido pela desvalorização de
sua própria memória.
Paulo Freire, educador notadamente progressista, em um discurso
seu, em um congresso, o qual gerou o livro, A Importância do Ato de Ler- em
três artigos que se completam, fala sobre a importância de uma educação que
tenha significado real aos educandos, muito particularmente àqueles, já
adultos, que seriam alfabetizados através de um programa que o educador
desenvolvia em São Tomé e Príncipe. Na ocasião ele comenta: [...] A insistência
na quantidade de leituras sem o devido adentrar nos textos a serem
compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da
palavra escrita [...] parece importante, contanto, para evitar uma compreensão
errônea do que estou afirmando, sublinhar que a minha crítica à marginalização
da palavra não significa, de maneira alguma uma posição pouco
responsável de minha parte com relação à necessidade que temos, educadores e
educandos de ler, sempre e seriamente, os clássicos neste ou naquele campo do
saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem
a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores e estudantes (grifo
nosso). (1997, p.17)
Há necessidade de nos relacionarmos de uma forma mais próxima com
os estudos, primando pelo estabelecimento de ligações entre as diversas áreas
do conhecimento e a fomentação destes interesses nas escolas desde os cursos
mais básicos até a universidade. A conservação de disciplinas que estão
intimamente ligadas à facilitação do estabelecimento da transdisciplinaridade,
à capacidade de apreender uma diversidade de pensamentos e matérias, é algo que
somente pode trazer benefícios e contribuir de maneira efetiva para uma mudança
de postura de alunos e professores.
Em relação à cultura clássica, aos textos históricos, poéticos, às
artes e às ciências, devemos nos lembrar, que uma capacidade de produção
variada, um talento para a diversidade de dons, algumas vezes reúne-se
naturalmente em alguns indivíduos que realizam obras geniais. Certamente estes
são exemplos de talentos extraordinários e especiais, mas que talvez não os
tivessem desenvolvido, como o desenvolveram, se não tivessem uma mente
investigativa que busca perscrutar todos os assuntos.
Foi este, por exemplo, o caso do alemão, Johann Wolfgang von
Goethe (1749- 1832), que além de poeta, dramaturgo e romancista, desenhou e
pintou, dedicando-se ainda aos estudos científicos, tendo desenvolvido alguns
trabalhos nas ciências, entre eles, contribuindo, no campo da anatomia
comparada, com a descoberta do osso intermaxilar no ser humano, e, na física,
elaborou uma teoria das cores alternativa à do grande físico inglês Isaac
Newton (1642-1727). Se não se encontra facilmente um Goethe, que não obstante
seu talento inato, este teve de ser trabalhado e desenvolvido. Este seria,
então, mais um motivo para que todos se empenhassem em facilitar para as
pessoas comuns uma instrução mais abrangente e eficaz, pois mesmo não se
podendo criar gênios há como nutrir mentes para que estas se desenvolvam
críticas e criativas.
Relações
Há ligação entre o ritmo de um verso e dos passos de uma dança,
entre as notas tocadas em um instrumento e uma pintura, e estas duas últimas
estão ainda interligadas à primeira. Isso pode ser observado de duas formas:
uma delas é a da relação estética que têm objetivos e similaridades em comum, e
a outra forma é a do relacionamento íntimo dos temas. Ao compor a sua peça
musical intitulada D'Apres un lecture du Dante, o compositor húngaro, do
período romântico da música, Franz Liszt (1811-1886), ligava-se assim àquele
poeta antigo, que escreveu sua obra sem jamais imaginar, talvez, que esta obra
falaria, vários séculos depois, à alma de um outro artista. Também, muito
dificilmente, lhe passaria pela mente que este artista do futuro criaria uma
música que carregaria, no seu íntimo, aquela necessidade de expressar o que
sentiu o compositor ao ler aquele poeta, o qual foi o impulso inicial para a
realização da referida obra. Assim se estabelece a troca, uma vez que, através
da sua música, Liszt faz referência direta ao trabalho de Dante Alighieri
(1265- 1321), o que instiga alguns a conhecer o poeta, enquanto outros, por intermédio
de um prévio conhecimento das obras do mestre florentino podem vir a descobrir
as melodias do compositor romântico.
Os níveis, e a diversidade de linguagens, em que isso ocorre são
tantos, que pode até parecer fútil a análise destas relações quando nos
deparamos, por exemplo, com relações oriundas de um desenho animado. Mas isso
mesmo é o que faz com que sejam justificados o maior conhecimento e a melhor
observação de um leque mais amplo de conhecimentos de obras artísticas. Muitas
vezes a percepção e o aproveitamento maior ou menor do humor constante de um
simples cartoon dependerá da maior ou menor familiaridade com estas relações.
Pode se chamar à atenção para a utilização de reconhecimento de obras
artísticas em muitos desenhos animados. Para citar apenas um exemplo, esta
espécie de utilização pode ser constatada ao se assistir um desenho animado
americano intitulado Cirrhosis of the Louvre da série Inspetor Clouseau,
realizado pela MGM em 1966. Neste episódio do desenho existe no seu desfecho uma
espécie de paródia. Uma citação visual da qual somente se atingirá o clímax da
comicidade (que está atrelada ao reconhecimento de uma obra de arte) quem na
última cena da animação reconhecer um famoso quadro intitulado: Arranjo em
Cinza e Preto (retrato da mãe do artista), do pintor americano James Mcneill
Whistler (1834-1903) Poderia se argumentar que é uma pretensão tola querer dar
alguma importância a este fato e que o desenho certamente será apreciado
independentemente disso. Isto não deixa de ser verdade, porém, o que de fato
parece significativo relatar, é a observação de que aqueles que puderem, devido
ao seu conhecimento de obras pictóricas, observar a citação realizada naquele
momento final do cartoon, certamente serão mais agraciados do que outros no
aproveitamento daquele elemento de comicidade que a animação traz, de forma
brilhante, como um gran finale.
Para exemplificar um pouco mais a questão, recorremos mais uma vez
ao já citado escritor Machado de Assis, com apenas mais um exemplo que ilustra
de forma clara estas observações. Ao se chamar novamente este escritor em
defesa desta pesquisa, isso é feito por ser ele talvez, dentro do panteão de
escritores brasileiros, o que mais tenha lançado mão em seus livros, de uma
comparação constante das mais diversificadas obras, autores e filosofias. E ao
fazer isso, ao estabelecer estes contatos entre umas e outras, interligando-as,
confere-lhes, devido esta mescla de ideias uma maior proximidade com os ideais
da transdisciplinaridade.
Observemos, pois, o que ele escreve em 1892, em uma crônica para o
jornal A Semana, do Rio de Janeiro: [...] Tannhäuser e bondes elétricos. Temos
finalmente na terra essas grandes novidades. O empresário do teatro lírico
fez-nos o favor de dar a famosa ópera de Wagner, enquanto a Companhia de
Botafogo tomou a peito transportar-nos mais depressa. Cairão de uma vez o burro
e Verdi? Tudo depende das circunstâncias. (ASSIS 1962, p.574)
O espectador (no caso aqui, leitor) mal informado, ao ler esta
crônica não apreciará nesta introdução, algo que faz toda diferença para a
compreensão do humor que traz este início do texto, um humor decorrente da
comparação de um modernismo que se desenvolvia na música, com um outro recém
inaugurado nos transportes, e a oposição destes elementos: o transporte moderno
e o compositor Richard Wagner (simbolizando o desenvolvimento do drama musical
moderno) versus o obsoleto burro e o compositor Giussepe Verdi (1813-1901)
(simbolizando a persistência de formas tradicionais na composição de óperas).
Pode ser difícil que esta observação contida neste texto de M. A., venha a ser
lida por muitas pessoas, mesmo pensando em estudantes de letras, uma vez que
suas crônicas não fazem parte de seus escritos mais célebres. Mas além de este
ser um exemplo de um tipo de associação comum ao autor em todos os seus livros,
o mais importante é pensar que estamos diante de uma condição necessária à
amplitude de interpretação e compreensão ao olharmos para o trecho referido
acima. Certamente não se pode esperar (voltamos a afirmar) que as pessoas
possam conhecer de forma ilimitada as inúmeras metáforas e citações que
aparecem em todas as obras, ou em todos os tipos de arte. Como, também, de
maneira geral, não seria muito comum encontrar em profissionais que lidam com
atividades mais afastadas das artes ou da literatura, como por exemplo,
engenheiros químicos, cientistas, farmacêuticos, uma sintonia ou uma afinidade
com os temas que proporcionassem uma maior facilidade em reconhecer tais
referências. A não ser que, no caso específico da crônica citada, estes
profissionais tenham por hobby a literatura e a ópera, sendo que ainda assim,
em muitos casos, seria difícil o reconhecimento das relações entre os temas
para muitos amadores.
Mas se pensarmos em um estudante de música que esteja muitas vezes
mais voltado para as questões práticas do instrumento, e que não procure se
aprofundar nos aspectos de interdependência que existe no estudo dos períodos
musicais, nas suas diversas tendências, filosofias e de estilo de composição,
ou em um estudante de letras que embora possa se dedicar ao estudo literário,
não trafegue muito bem por outras artes e desconheça as escolas e períodos da
história da música, é muito provável que estes estudantes se por acaso se
depararem com o trecho daquela crônica, não poderão saber quais os antagonismos
separavam ou separam estes dois compositores de ópera, Wagner e Verdi. Neste
caso poderíamos considerar isso uma deficiência na sua formação
histórico-musical-literária, caso este estudante não pudesse atinar com o
sentido da comparação destas divergências, com aquelas realidades práticas da
tecnologia moderna que é colocada pelo escritor. Isto certamente o faria
perder, entre outras coisas, pelo menos no momento da leitura deste texto, a
oportunidade de absorver a beleza da sutil ironia colocada diante dele, e esta
deficiência o tornaria incapaz de ser agente de continuação desta forma ampla
de visão multidisciplinar. Da mesma forma, seria incompleta a formação de um
professor de literatura, que ao ler o início da crônica, não soubesse, se lhe
fosse solicitado que o fizesse, explicar aos seus alunos, o porquê de o autor
citar estes dois nomes neste contexto. Logicamente isso poderia ser pesquisado
posteriormente, mas o manejo ideal das relações disciplinares pressupõe uma
familiaridade ampla com a diversidade de matérias, e aqueles que a tiverem
serão professores diferenciados e bem sucedidos.
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E aí alunos e professores de música???? O que acham de correr para
a biblioteca de sua cidade e devorar alguns livros?
Nas antigas coleções de discos de vinil - Mestre da Música -
sempre com a música, tínhamos lá um livreto contando toda a história do
compositor e também um guia para orientar o ouvinte em suas audições. Todos os
cds originais de boa qualidade informam o conteúdo de suas obras, assim como a
ficha técnica; tão importante conhecer como a própria música.
É caros leitores deste ambiente virtual, é preciso correr atrás
das irmãs-arte para se aprender música..
E o que vocês estão esperando???
Obrigado amigo Flávio Caldonazzo pelas sábias
palavras...............
Muito bom o texto, sempre procurei a conscientização dos meus alunos, sobre a importância de procurar na leitura e cultura em geral as fontes e riquezas que podem ser assimiladas e transferidas para sua própria aprendizagem artística.
ResponderExcluirMuito obrigado Clayton. Palavra de mestre é um grande elogio. Abraço
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