Acompanhem o histórico da banda e depois procurem os álbuns para uma audição mais cuidadosa e profunda. Agradeço a gentileza do Rocha por ceder este texto para nosso blog.
Boa viagem...
PINK FLOYD – O Coração Oculto
da Lua
A importância do grupo
britânico Pink Floyd é inquestionável pela contribuição ao rock psicodélico do
final dos anos 60 e ao rock progressivo
dos anos 70; enfim, independente de movimentos ou modismos, os cinco músicos
(Barrett, Waters, Gilmour, Wright e Mason) que formaram o grupo em diferentes
etapas, já enriqueceram a música em geral, através de uma coesa estrutura de
harmonia e lírica. Na fase inicial, verifica-se uma nítida influência de blues
e jazz associada a sons espaciais colhidos do genial compositor Bela Bartók e
com inspiração nos temas de autores de ficção científica, além de pesquisas com
ritmo árabe, microtons indianos, e experimentações eletrônicas e concretistas,
inspiradas na música erudita moderna. Em 1973, Pink Floyd, com uma sofisticada
instrumentação, atingira a maturidade ao criar um estilo diferente de tudo
antes ouvido, e que se tornou marca registrada: guitarra e bateria ricamente
melódicas e sem virtuosismo, baixo com som de coração pulsante, teclados com
arranjos elaboradíssimos. Enfim, criatividade inesgotável que prevaleceu até o
instante em que a egolatria de um dos membros fragmentou a unidade do grupo.
A Fase Barrett: 1966-1969
Constituído de estudantes
de arquitetura da classe média da Inglaterra conservadorista, Pink
Floyd surgiu em 1965, sendo integrantes do grupo o sui generis letrista e
compositor Syd Barrett na guitarra e vocais; Roger Waters, também
compositor, no baixo e vocais; Richard
Wright, um tecladista apaixonado por Beethoven, e Nick Mason, um dos bateristas
mais criativos que já existiram.
Batizando a banda a
partir dos nomes de Pink Anderson e Floyd Council, dois tecladistas de
blues, Barrett, o primeiro líder, direcionou os propósitos. A música teria
letras com teor psicodélico, cujo tema, entre vários, seria a busca do
indíviduo nos meandros de sua própria mente, além, é claro, da referência
aos efeitos dos alucinógenos. O som também refletiria essa sensação. Era o
surrealismo chegando até a música popular.
Mas o período
liderado por Barrett durou pouco, seja porque ele mesmo tenha mergulhado em uma
viagem sem retorno ao mundo do LSD e congéneres, tendo que ser afastado de suas
atividades de letrista e compositor principal, seja porque Roger Waters,
um outro membro da banda, vinha, aos poucos, assumindo o comando.
A Fase Waters: 1969-1982
David Gilmour, em 1968, toma o lugar
de Barrett como guitarrista solo; a
princípio paralelamente, e depois, a partir de 1969, totalmente. Com sua
guitarra compõe a marca registrada e inconfundível da beleza melódica do
Pink Floyd. É um guitarrista diferente, não há pressa nele, é
infenso a solos rápidos, mas, com segurança, de maneira calma, vai
conduzindo a música que brilha -em tons de amarelo-cromo rumo ao desconhecido
de nossa mente. Wright, de formação erudita, cujo órgão é um dos
principais responsáveis pelo som espacial do grupo, preenche as pausas
dessa guitarra despreocupada para que ela atinja os seus vôos na viagem
pinkfloydiana. Nick Mason não é apenas responsável pelos efeitos percusivos;
ele, na verdade, conduz o ritmo como melodia indissociável da
marca sonora do grupo. A bateria não acompanha simplesmente, mas aparece
com frequência como instrumento solista, com o auge criativo nas suites “Atom
Heart Mother” e “Echoes”.
Assim, o Pink Floyd
foi se direcionando a um som cada vez mais elaborado. As pesquisas sonoras,
buscando ritmos árabes e melodias indianas, como é o caso de Set the Controls for the Heart of
the Sun, ou desenvolvendo ruídos e sensações vindas do
espaço profundo como Astronomy
Domine e A
Saucerful of Secrets, chegaram a um nível de sofisticada
criatividade jamais vista até então em um grupo de rock. Nos diversos
caminhos e experimentações dessa fase inicial ocorreram álbuns como Atom Heart Mother e Meddle, obras geniais,
sendo que no primeiro tiveram a colaboração de um arranjador erudito
moderno, Ron Geesin, aproximando-os dos efeitos de uma música concreta ainda
mais elaborada; e, no segundo, já com uma sonoridade mais característica do
grupo, chegam àqueles resultados incríveis de Echoes, a peça conceitual de Meddle,
que muitos consideram o melhor álbum da primeira fase do grupo. A sensação
é de estarmos em um submarino, e a música, vinda das galerias marítimas,
chega até nós em ecos aquáticos. O texto que se canta aí é dos melhores
possíveis. As letras de Waters, com influência do poeta inglês
William Blake, embora não admitida, são verdadeiros poemas, de beleza plástica
que ainda não vi se repetir no mundo do rock.
Até então, nos
princípios dos anos 70, o Pink Floyd era um grupo frequentado e respeitado
principalmente pelas elites universitárias, com um nítido reconhecimento em
vários países da Europa, principalmente na França. Mas a fama internacional
ainda não tinha acontecido. Esta só viria a partir de 1973, iniciando a segunda
fase do grupo, com o lançamento do álbum The
Dark Side of the Moon. Antes de esgotar totalmente o lado
‘underground’ do rock psicodélico, de que fora talvez o mais
importante representante, o grupo se renovou, superando o estilo da época,
embora ainda utilizasse o concretismo. No momento em que muitos
pensavam que os rapazes, após pelo menos três álbuns de excelente
qualidade, estavam esgotados e não havia como não se repetirem, aparece The Dark Side of the Moon,
uma das obras mais ricas e instigantes não apenas do rock, mas de todos gêneros
populares de música. Para se ter uma idéia da aceitação e da perenidade do
álbum, consta que no primeiro ano já havia recebido o disco de
platina, que significa um milhão de dólares vendidos, trocando em miúdos, um
caminhão dos grande cheio até a boca de dinheiro. Até hoje, após 30 anos no
mercado, o álbum está entre os mais vendidos na Inglaterra, nos EUA, e em
muitas partes do mundo. Confunde-se, normalmente, a quantidade de venda com o
real valor de um trabalho, pois nem sempre andam juntos, amparado que são pela
máquina publicitária, mas não é o caso deste trabalho admirável. O valor
artístico, fora de dúdivas, prevalece. Desde o tema - o lado escuro da lua
-, sobre a alienação mental, a mesma loucura de que fora vítima o primeiro
líder Syd Barrett, talvez já incubada e depois agravada pela ingestão de
drogas, até a inegável originalidade do som, o álbum não perde o nível
proposto. Canções como Time,
Money e Us and Them, que se
tornaram hits,
atingiram o raro resultado de agradar tanto ouvintes intelectualizados como
outros mais coquetes e despreocupados diante de questões filosóficas. E
filosofia é a marca de Time,
a descrescência do tempo, a incapacidade de segurarmos o sol que nasce e se põe
incontáveis vezes, e, nesse incessante aparecer e morrer vem a idéia
da eternidade e, do mesmo modo, a efemeridade da vida. As
palavras são algumas das melhores realizações de Waters como poeta,
muito acima de simples letrista. Money,
fortemente social, trata das questões econômicas do capitalismo. Us and Them, de
beleza melódica marcante, é permeada de um doce e melancólico saxofone,
porém áspero nos momentos de clímax. O álbum desfecha em Brain Damage e Eclipse, com a voz de
Waters cantando e tentando sentir a dor de seu amigo Barrett em alienação,
perpassada de angústia e riso que gela a alma, já que se trata da
loucura, circunstância em que o espírito mergulha na noite dos sentidos.
Além dessas mais festejadas, há The
Great Gig in the Sky, que até hoje impressiona.
Neste álbum, a meu
ver, está também uma das mais geniais e criativas contribuições de
Roger Waters como arranjador de seu próprio instrumento, o baixo. De ponta
a ponta do álbum há um som pulsante sugerindo um coração. A sensação é de
um pulsar distante como se o ouvíssemos através de uma bolha de água. Seria
esse som, como alguns dizem, o mesmo que talvez ouvíssemos dentro do
líquido amniótico no útero materno em nossa primeira formação, como embrião
e depois como o bebê próximo de nascer, mas que desde o início já
sentia intuitivamente o afeto materno? Se for mesmo, tenho que admitir que
é uma genial invenção, que tenta nos levar de volta ao aconchego e à
segurança materna, há tempos perdidas. Esse efeito no baixo criado por Waters
já existia de forma ainda não definida nos álbuns anteriores e, a partir do The
Dark Side of the Moon, torna-se marca registrada. Entre tantas outras
qualidades, talvez esse som do coração através da bolha d’agua seja uma das
magias indecifráveis na música desse grupo, cuja existência já ultrapassa
três décadas, conseguindo o que ninguém até hoje conseguiu: unir em um
mesmo show adolescentes de 13 anos juntos com senhores
avôs sessentões. Todos aqueles que, desde o final dos anos 60 até os
dias de hoje, se aproximaram, de um forma ou de outra, da música do grupo,
sentem uma dívida de gratidão ao grupo por essa sensação de aconchego, difícil
de ser explicada. Talvez seja essa característica que percorre o
subterrâneo de nossa mente, e que faz com que se identifiquem três
gerações - neto, pai e avô - juntos em um mesmo estádio ou diante do mesmo
aparelho de som, reunidos atentamente a um mesmo tipo de música, que vem
vencendo as mudanças e variações de preferência tão comuns em nosso tempo.
Depois desse
álbum, ainda são lançados Wish You Were Here, em 1975, e Animals,
em 1977, duas obras-primas do rock progressivo. Arranjos, música, letras,
performance impecáveis! Assim termina a segunda fase do grupo, que entra,
então, no período de The Wall, 1979, onde se faz nítido o domínio
tirânico de Roger Waters, criando esse álbum conceitual, a partir de suas
próprias vivências transportadas a um personagem chamado Pink que
engloba, além do líder, todo o grupo em uma só pessoa. Mas, apesar de toda transferência das
experiências individuais de Waters ao contexto poético e filosófico do álbum, o
personagem central Pink é, mais uma vez, nitidamente inspirado na loucura de
Syd Barrett. Todas as letras e quase toda a música são de Waters, que leva os seus
medos e fantasmas ao inconsciente coletivo, tornando-se com isso uma espécie
de porta-voz de uma geração inteira, que se identifica com o seu processo
de ascensão e queda nos questionamentos existenciais, chegando a um julgamento
inevitável imposto pela Sociedade em que vivemos: - Derrube o
muro!!!!! Eis a condenação. Cada tijolo no muro representa as
privações afetivas do personagem Pink, o pai que morre na guerra, a solidão de
seu tempo de menino, a sensibilidade de artista que aumenta cada vez mais, a
revolta com os métodos de ensino, a traição da mulher, e, por fim, o fundo do
poço: a danação e a queda nos alucinógenos. Na época que surgiu o show, toda
uma geração sentiu-se naquela pele apertada de um ser angustiado que se perde
em seu próprio mundo fechado por um muro. Dos shows ao cinema foi um passo. Em
1982, o cineasta também britânico, Alan Parker, interrompe todas as
atividades para filmar a história de Waters. Surge o filme que tornou
ainda mais contundente a angústia existencial do cantor de rock se
debatendo no cárcere das lembranças. A partir daí não havia mais
caminho comum nem para Waters nem para o Pink Floyd. O gênio,
coroado, perde-se de si mesmo e afasta-se do pouco que ainda lhe restava
acreditar.
Seguindo The Wall, mas com um
espaço de 3 anos, surge, em 1982, The
Final Cut. Musicalmente é um ótimo álbum mas não teve a mesma
acolhida porque repete o tema já excessivamente gasto na proposta
anterior. O restante do grupo apenas executa a música. Nenhum outro crédito de
composição consta no trabalho. Waters faz tudo. Torna-se a alma total do Pink
Floyd, mas com um notável decréscimo pela não participação dos outros membros.
Termina aí: o líder deixa a banda após ferinas discussões e monumentais
brigas porque queria retirar o logotipo de megaempresa do Pink Floyd e
dissolvê-lo, pois era o que se havia tornado. O grupo de rapazes idealistas e
amantes das artes erguera um império com investimentos em diversas áreas da
economia cujas cifras já eram de alcance multinacional. Como indivíduos já
tinham perdido o controle, ficando distante o primordial motivo que os
levou a fazer música.
A
Fase Gilmour: 1983 até os dias atuais
O grupo segue pela sua quarta fase sem
Roger Waters, principal responsável pelo aspecto cerebral das composições,
ficando na liderança o guitarrista David Gilmour, que conduz o barco sozinho,
com a participação quase indiferente dos outros dois membros. Dois álbuns
apareceram, um em 1987 A Momentary Lapse of Reason, bastante fraco se
comparado aos das fases anteriores, e em 1994, The Division Bells,
muito bom trabalho, que trouxe o bom presságio de que o Pink Floyd duraria por
muitos anos ainda, o que não foi verdade, pois hoje, com o silêncio do grupo,
não sabemos se realmente seguirá, ou se está preste a acontecer o último
suspiro do cisne.
Waters,
durante quase duas décadas, ficara oculto, lançando de vez em quando algum
álbum. Nenhum deles obteve o resultado que se esperava de um músico
considerado por muitos como um gênio do rock. Outros pensaram que ele
realmente tinha seguido o amigo Syd Barrett, fazendo-lhe companhia em uma casa
de alienados. Mas não ocorreu isso. Em 2001 empreendeu uma extensiva
jornada na qual realizou muitos shows, mostrando que ainda está vivo, em
atividade e que ainda ocupa o seu lugar no business do rock.
No
entanto, creio eu, banda e líder dissidente jamais vão se
reunir novamente em gravações, nem vão repetir isoladamente a qualidade
que, em outras épocas, conseguiram juntos. Não há problemas quanto a isso.
Já deram a sua inestimável contribuição à história desse gênero tão
ramificado e controvertido que é o rock. Sem dúvida alguma, a formação do grupo
no período áureo continuará sendo a de um dos maiores e mais
importantes que já existiram, se não for o maior. Resta-nos o consolo das
obras registradas. E, ouvindo-as, estaremos certamente rendendo o nosso
tributo ao Pink Floyd, o grupo de rock progressivo da
Inglaterra.
Ailton
Rocha
2003, maio
Deixo aqui o excelente Dark Side of the Moon na íntegra para vocês apreciarem...
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