Dica de Filme! Já nas Locadoras!

"NÃO ACREDITE EM NADA QUE SEU PROFESSOR DIZ! QUESTIONE TUDO!


HANS-JOAQUIM KOELLREUTTER




Suite Brasileira para Violoncelo e Piano (Mehmari)

Suite Brasileira para Violoncelo e Piano (Mehmari)
NOVIDADE: https://www.youtube.com/watch?v=NymoG_qNyLY

terça-feira, 29 de março de 2016

Mestres de Março.....

E num março de 2013, postei  a lembrança de 3 Gênios nascidos neste mês.

Villa-Lobos - 05 de Março de 1887
Johan Sebastian Bach - 21 de Março de 1685

e Béla Bartok - 25 de Março de 1881


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.....e continuamos nossa busca nos mistérios dos sons alados.....em algumas anotações do quarto B mais importante da história da música.

"O Trabalho que fiz, gravando canções nas aldeias, foi de influência fundamental para meu trabalho, por ter-me libertado da tirania das tonalidades maior e menor.

A maior parte dos tesouros coligidos, e a sua parte mais preciosa, estava nos antigos modos(sequências de notas musicais usadas para a composição) gregos ou eclesiásticos, ou baseava-se em escalas ainda mais antigas(pentatônicas), e as melodias estavam cheias das frases rítmicas mais livres e variadas, e de mudanças de andamento, executadas tanto rubato(tempo da música roubado) quanto in tempo giusto. Tornou-se claro para mim que os antigos modos, esquecidos em nossa música, nada tinham perdido de seu vigor."

Béla Bartók - 1949

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Uma mostra desta influência é a série chamada MikroKosmos na qual o compositor tornou explícito as várias sonoridades ecoadas pela região húngara. Os livros de partituras distribuídos em seis volumes tornaram-se importantes como material didático para os estudantes de piano.... Sintam sua atmosfera...aqui tocadas pelo próprio Béla Bartók...


....Com uma possibilidade inacreditável de ter catalogado cerca de 13000 canções folclóricas húngaras, Béla Bartók mostrou ao mundo a riqueza de seu país, que sofrera tantas invasões de povos diferentes, herdando assim os tesouros culturais de cada um deles....

Foi gênio sim, como o também húngaro Franz Liszt e citado por muitos como o Maior Gênio do século XX.

Mas sua música continua ainda um grande místério. De uma sinceridade tão grande, mas ainda tem dificuldades de penetrar na aceitação do público.....por outro lado, adorada pela sétima arte devido ao clima tão sombrio e mágico que ela passa.

Uma das mais marcantes fora o movimento lento da obra "Mùsica para Cordas, celesta e percussão" usada no filme "O ILuminado" de Stanley Kubrick. Ela permeia todo o filme.........assistam um trecho ....

E ouçam o movimento tocado na íntegra:

"Músico rico, rigoroso, húngaro fiel
(como tantos entre teus pares, -"mal-afamado").
Não foi forçoso ter sido justammente da alma deste povo
em que mergulhaste tão fundo;
ter sido da garganta apertada desta mina,
que o teu grito se elevou
para o gigantesco, frio e inclimente salão,
cujos ilustres são as estrelas?"

Gyulla LLLyés

Ainda iremos desbravar um pouco mais desta música e desta personalidade tão ímpar da história da música....

Para fechar deixo aqui uma bela peça(Sonatina) onde também notamos recursos modernos e folclóricos usados por Bartók. 
1 - Gaita de Foles -
2 - Dança dos Ursos -
3 - Final - 


Boa semana a todos...

terça-feira, 15 de março de 2016

O Gênio e as cores do som! Scriabin!

De encontro ao místico, fizemos de semana passada um encontro muito especial...
 Alexander Scriabin(1872-1915)


Este compositor único, tão visionário em seus pensamentos deixou-nos uma obra muito curiosa, dividida em duas fases; a primeira influenciada por Chopin e Wagner e a segunda totalmente inovadora, sendo assinado por ele mesmo.....Vasculhou as formas mais conhecidas do piano, como um tributo ao amor que sentia ao compositor polonês F. Chopin. Mas não cultivou outros gêneros, apenas a sinfonia, levando esta à uma proximidade do Poema Sinfônico....

Encontro em suas obras um encantamento muito especial e sem dúvida uma mística sem igual. Viveu apenas 43 anos e à partir de 1903 inaugurou uma revolução de sons que ainda era desconhecida, ou pouco experimentada na rússia e também na Europa.............Talvez um Satie, Debussy tenham inspirado esta revolução sonora, lógico que sempre persistindo o conceito wagneriano da "Arte total..."; Scriabin transcendeu as experimentações aumentando a gama da composição, movendo os padrões harmônicos e alterando escalas numa invenção muito peculiar e própria....

Hoje sua obra para piano é muito tocada e os grandes intérpretes do século XX deixaram exemplos de sua força e beleza. O Curioso é que o próprio Scriabin deixou gravações de suas execuções ao piano............e podemos chegar um pouco mais perto desta experiência - de ouvir um grande gênio! -

Confiram algumas obras que ficaram muito famosas: 

Por Horowitz

Por Scriabin

Aqui temos vários prelúdios, poemas, mazurcas, estudos....tocados pelo mestre....

Muitos outros momentos eu poderia destacar aqui......mas a interpretação de Horowitz me comove muito.....e destaco sua interpretação da difícil obra - vers la Flamme... um poema ao piano como assim Scriabin chamou várias de suas peças........algo traduzido como "em direção às chamas..." Esta obra traz uma sonoridade totalmente mais percussiva e abstrata, pairando momentos de grande experimentalismo.........uma revolução prematura do que viriam a fazer os compositores modernos.... este vídeo é fantástico! Confiram:

Sem dúvida a obra de Scriabin é toda curiosa e para a maioria das músicas escritas, principalmente as sinfônicas, o próprío compositor deixou relatos ou poemas para descrever como a sonoridade composta se apresentava para ele......é a vastidão intelectual do gênio tentando justificar suas visões sonoras..........ou tentando orientar o ouvinte para suas viagens dos sons...

Para quem quiser adentrar um pouco mais uma de suas obras mais enigmáticas, a Sinfonia 5 - Prometheus ou poema do Fogo, deixo aqui um ótimo guia para entender mais sua personalidade e seu desejo ao compor esta obra...(colem este enorme endereço, voltem na página 46 e boa viagem...)

Uma das páginas mais sublimes de Scriabin pertence à sua primeira fase, a Sinfonia 1 e fomos ouvir dois de seus movimentos...

Mov 5
Mov 6

O próprio Scriabin tecia os textos ou poemas de suas obras e acreditava mesmo no conceito das palavras convergirem com os sons, virarem algo imaculado.......sublime, transpondo as sensações, os multi-universos do sentir...........unindo assim, cores, perfumes.............todo o sentir traduzido em sons!

Fica abaixo um pouco do documentário e a apresentação da obra sobre a realização do Poema do Fogo idealizado pelo compositor para uma apresentação de luzes e sons....

A história de vida de Scriabin e sua música ainda são bons desafios para mergulharmos..... Sua filosofia e sua criação nos provocam a experimentar uma música muito especial. No duelo entre melodia e harmonia, este compositor deixou-nos os dois exemplos de maestria, desenvolveu as sensações de timbres e tratou o som como algo gigante........desejou o impossível na criação de uma grande obra que ficou inacabada, - Mistérios -(ver mais no artigo acima do book do google).

De curiosidade deixo aqui outra obra enigmática -seu Poema do êxtase! (Sinfonia 4)


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enquanto o Brasil vai caindo em miséria de corrupção e vergonha, vamos ao sublime experimentar as 7 faces da Arte.............o conhecimento ainda vale muito a pena! Scriabin que nos "grita!"

Boa viagem a todos!

sexta-feira, 4 de março de 2016

A INTERDISCIPLINARIDADE E A TRANSDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES DE MÚSICA

"Em conversa com o amigo Edgard de Brito, um exemplo de músico e incansável soldado em luta para levar o maior conhecimento possível aos seus alunos, eu observava a ele que talvez a única coisa produtiva que realizei no meu curso de Licenciatura em Música foi poder, através de minha monografia intitulada “A INTERDISCIPLINARIDADE E A TRANSDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES DE MÚSICA” (2006), sugerir aos professores e estudantes de música que existe, da parte da maioria deles um descaso quanto ao enriquecimento cultural como um todo e que este se reflete numa ignorância musical generalizada. O objetivo central da pesquisa foi tentar demonstrar com exemplos tirados de casos específicos e também da boca de grandes mestres, que não somente o estudo da técnica e da história da música (em alguns casos até esta menosprezada), se faz necessário, mas também um enriquecimento intelectual e sensível como um todo, uma aproximação da poesia, da pintura, da escultura, da literatura, da filosofia e mesmo da ciência, é de fundamental importância para que se proceda uma aproximação maximizada, um entendimento maior do todo, e um mais amplo aproveitamento da música. Sempre vi a “Imagem Musical” criada e ministrada pelo professor Edgard, como a única filosofia de ensino do universo musical em nossa região, que busca atingir estes objetivos. Ele me pediu um resumo de uma pequena parte de meu trabalho. Envio agora para que ele avalie se estas palavras têm alguma utilidade para se tornar uma contribuição para este conceito de entendimento da arte e especificamente do ensino de tudo relacionado à música, objetivos estes, que, apesar de eu não ter, nem de longe, a competência de meu amigo para ministrar, compartilho com ele este ideal."

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A INTERDISCIPLINARIDADE E A TRANSDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES DE MÚSICA


Les parfums, les couleurs et les sons se répondent
                                                      Charles Baudelaire


Texto da monografia de Flávio Caldonazzo.

(Resumo de algumas partes)

Vivemos uma contaminação com o vírus do desinteresse de gerações de estudantes e de professores que se deixam envolver pelo marasmo da tranquilidade do mínimo, e não se aventuram a buscar a transformação deste estado. Existem, logicamente, razões para este estado de inércia em relação à modificação das políticas educacionais. Uma delas está ligada a um programa de acesso irrestrito à educação, porém uma educação que acaba sendo massificada e sem qualidade, que é a única que não oferece perigo para que se orientem as pessoas a refletir de forma inteligente e participativa, o que seria uma ameaça para o sistema neoliberal excludente atual. Desta forma esta educação alienante se detém em um ensino precário e apático que acaba por ser também o responsável por esta doença de estagnação cultural, agravada pelo distanciamento do interesse pela leitura e pela alienação político-social, que sem dúvida é o primeiro ponto a ser reformado para se começar a andar em direção a transdisciplinaridade.
Vejamos o que a esse propósito têm a dizer Paulo Freire:
[...] O educador não pode furtar-se, em determinados momentos, de informar. E não pode na medida mesma em que conhecer não é adivinhar. O fundamental, porém, é que a informação seja sempre precedida e associada a problematização do objeto em torno de cujo conhecimento ele dá esta ou aquela informação. 1982, p.54)

Os professores que têm uma formação adequada para serem motivadores desta transformação terão um trabalho árduo e, muitas vezes, solitário, mas para que algum progresso venha a ser conquistado há que se deter em uma questão que pode ser o primeiro fator que deve ser revertido: o hábito da leitura. Mais ainda, o hábito da releitura e da reflexão sobre o que se lê. Esta reflexão corresponde certamente a uma observação atenta de tudo que o indivíduo encontra no caminho de suas pesquisas, uma audição criteriosa e atenta das obras musicais, a reação crítica diante da programação da televisão, a postura política diante das notícias da imprensa escrita ou televisionada. Tudo isso são os fundamentos que levarão a uma ampliação das perspectivas daquele que estuda ou daquele que ensina. 

Pensando particularmente no estudante de música, ao qual sempre temos que retornar, para que não se desvie o objetivo central do trabalho, muito embora este objetivo central esteja definitivamente atrelado às questões político-sociais abordadas acima, podemos citar Nikolaus Hanoncourt que nos lembra a observação que, a propósito da leitura, fez o compositor romântico alemão Johannes Brahms (1833-1897): “Brahms dizia que para tornar-se um bom músico era preciso empregar tanto tempo lendo quanto estudando piano”.(BRAHMS, apud HANONCOURT, 1998, p. 31).

O estudante de música, ou de qualquer matéria, deveria, pois, reconhecer que a sua formação completa está vinculada a esta postura de um estudo comparativo de todas as artes, textos, experiências, tradições populares ou eruditas, de todas as pinturas que puder observar, de todos os filmes e peças teatrais que puder assistir com a finalidade de ampliarem seus horizontes perceptivos, exercitando sua mente no sentido de absorver tudo e formular pensamentos e conclusões, seguramente estarão dando passos seguros, criando condições para a realização máxima de suas potencialidades e consolidando o seu aprendizado.

Da mesma forma, um professor comprometido, que fosse amparado por uma instituição igualmente comprometida não consideraria desnecessária a preocupação com a existência de um abandono de matérias que parecem ser antes muito mais próximas do que distantes de todos os temas. Se pensarmos que nos cursos de artes, de literatura ou filosofia, existem critérios de relação íntima entre todas estas disciplinas, tal preocupação de uma maior atenção à multiplicidade é mais do que justificável. Basta para se ter certeza disso, pensar em como na realização de seus trabalhos, os compositores, escritores, pintores e filósofos foram motivados e inspirados por temas clássicos, pelo folclore, por costumes diversificados, fossem eles universais ou regionais e que estes temas desempenharam papel muito relevante em muitas criações artísticas. Não raras vezes a familiaridade com assuntos diversificados, serão a chave principal na inteligibilidade de algum termo importante para um contexto interpretativo onde se nota que o que aparentemente poderia ser considerado desnecessário ao estudante, pode sob outro prisma de avaliação ser essencial. 

No curso de Interpretação Musical o pianista e regente suíço Alfred Cortot (1877 – 1962), afirmou: [...] Poderíamos sustentar que não há arte que, acima da interpretação musical, suponha o manejo delicado, a compreensão requintada de todos os tipos de emoções ou de sensação que se trata de transferir ao espírito do ouvinte pela magia misteriosa das sonoridades. Rousseau afirmou: ‘Para se elevar às grandes expressões da música, seria necessário ter feito um estudo particular das paixões humanas e da linguagem da natureza’.Tolstoi acrescenta: ‘A arte é a comunicação dos sentimentos experimentados’.(CORTOT apud THIEFFRY, 1986, p.16)

Estes exemplos são, no entanto, apenas algumas gotas no oceano de disciplinas de formação das quais se deveriam fornecer, pelo menos, os conceitos básicos mais importantes, se quisermos que as gerações futuras não se entreguem definitivamente a uma especialização extrema que acabe por tornar todos ignorantes em tudo que não é a sua micro especialidade. Um dos exemplos mais significativos de professor bem-sucedido e que sempre valoriza na cultura (para retornar ao início deste capítulo) a vida essencial existente nela, é o do educador e psicólogo mineiro Rubem Alves. Existe em todos os textos de Rubem Alves, um entendimento e uma vivacidade que mostram aspectos culturais que ele chama à luz em todo momento ao construir os seus escritos, que são os mais variados. Embora demonstrando um vasto e eclético conhecimento cultural, em seus textos jamais transparece a menor sombra de pedantismo ou arrogância. Torna-se evidente que este autor-educador, é alguém que tendo galgado os degraus até um estágio de compreensão ampla, reconhece na simplicidade de tudo todas as coisas que ele viveu ou leu, equiparadas e igualitárias. Não atribuiu, ele, à filosofia de um pensador famoso ou a uma Paixão de Bach um peso maior do que o de um causo que ouviu de um caipira, ou a uma moda de viola, tocada e cantada em uma cozinha de uma velha casa do interior dos país. Não deixa, no entanto, de chamar como sua testemunha, ao contar suas histórias, seja uma superstição da roça, uma concepção filosófica de origem europeia, ou um poema de autor famoso. E nestas relações, lê, compreende e enxerga a unidade da arquitetura do todo e depois nos informa sobre uma beleza e empatia entre tudo isso de maneira sincera em seus escritos. Isto pode ser observado ao lermos alguns trechos de escritos de Rubem Alves que demonstram o trânsito fácil deste autor (notadamente um autor contrário à valorização da rigidez de pensamento ou no conhecimento) por áreas da cultura, para tentarmos continuar demonstrando, a necessidade de se passar por estágios de aprendizado, para podermos conquistar a liberdade de pensamento e de escolha: [...] Comecei a gostar dos livros mesmo antes de saber ler. Descobri que os livros eram um tapete mágico que me levavam instantaneamente a viajar pelo mundo... Lendo, eu deixava de ser o menino pobre que era e me tornava um outro. [...] Eu passava horas vendo as figuras e não me cansava de vê-las de novo [...] Um outro livro que me encantava era o “Jeca Tatu”, do Monteiro Lobato. Começava assim: “Jeca Tatu era um pobre caboclo...” De tanto ouvir a estória lida para mim, acabei por sabe-lo de cor. “De cor”: no coração. Aquilo que o coração ama não é jamais esquecido. [...] Florais de Bach: confesso minha ignorância. Nada sei sobre os seus poderes. Mas sei muito sobre os poderes terapêuticos dos “Corais de Bach”. A música tem poderes mágicos. [...] Um amigo me disse que o poeta Mallarmé tinha o sonho de escrever um poema de uma palavra só. Ele buscava uma única palavra que contivesse o mundo. T.S. Eliot no seu poema O Rochedo tem um verso que diz que temos “conhecimento de palavras e ignorância da Palavra”. A poesia é uma busca da Palavra essencial, a mais profunda, aquela da qual nasce o universo. (http://www.rubemalves.com.br/).

Um ponto importante que se pretende demonstrar também, é que a conclusão de que tomar a decisão de se deixar de lado estudos que deem uma noção razoável da cultura e do pensamento de importantes autores antigos, modernos, ou contemporâneos, sem tentar encontrar alguma solução alternativa que possibilite um convívio mais próximo com estes estudos, não parece ser algo inteligente e que contribua para a melhoria do ensino. Ainda que esta atitude não torne os cursos mais rápidos, a preocupação em ministrar pelo menos as bases e os aspectos principais dos conhecimentos clássicos, e de outros, deveria ser encarada como ferramenta fundamental à realização de uma prática adequada na busca da excelência no ensino. A solução pode ser a fomentação da pesquisa, da indagação, e isso só será possível através do emprego de uma nova política educacional que valorize professores capazes de abraçar esta filosofia de ensino, sendo modernos na condução das aulas, sem desprezar, por descaso ou desconhecimento, o ensino da cultura e do pensamento de todas as épocas.

Existe um exemplo muito interessante que trata desta postura mais aberta na educação, de como se deve colocar os alunos em contato com os conhecimentos clássicos, e critica as formas ortodoxas de se lecionar, no famoso filme americano, intitulado, “Dead Poets Society”  (Sociedade dos Poetas Mortos), realizado em 1989 pelo diretor Peter L. Weir. Neste filme o personagem vivido pelo ator Robin Williams, o professor Keating, em sua aula inaugural, diz para os seus alunos rasgarem a introdução de um compêndio de poesia que a escola utilizava no programa do curso. Ele toma esta atitude, como fica claro, por discordar da forma fria, morta, e apenas geométrica, que o autor do ensaio introdutório do livro, demonstrava tratar a poesia, que para ele, deve ser sentida de maneira viva e apaixonada. No entanto, no decorrer do filme, em nenhum momento ele se coloca contra a necessidade de se aprofundar na leitura dos grandes autores, mas o contrário é o que acontece. Isto fica demonstrado quando, ao contar aos seus alunos sobre a sociedade que ele integrara na sua época de aluno daquela Instituição, os poetas mortos, diz-lhes que eles eram como uma irmandade grega, e também românticos. Que se revezavam, nos seus encontros, na leitura dos grandes escritores e na récita de poemas deles próprios. Porém o que difere aquele professor de outros daquela escola, e que ao ensina-los, ele os deixa “transgredir” as normas obsoletas da escola, joga futebol com os alunos, ensina a eles expressão corporal e como extrair de si mesmos os seus próprios poemas.

O compositor Russo, Igor Stravinsky, não obstante as inúmeras inovações realizadas em suas composições, ou talvez por isso mesmo, afirma que para ele é de fundamental importância o conhecimento das antigas formas, demonstrando isso, neste trecho de sua Poética Musical em Seis Lições: [...] Minha liberdade, portanto, consiste em mover-me dentro da estreita moldura que estabeleci para mim mesmo em cada um de meus empreendimentos. Irei ainda mais longe: minha liberdade será tanto maior e mais significativa quanto mais estritamente eu estabelecer meu campo de atuação, e mais me cercar de obstáculos. Tudo o que diminui a restrição diminui a força. Quanto mais restrições nos impusermos, mais libertamos nossa personalidade dos grilhões que aprisionam o espírito[...]De tudo isso concluímos pela necessidade de dogmatizar sob pena de perder o nosso objetivo. Se estas palavras nos incomodam e parecem duras, podemos abster-nos de pronunciá-las. 

Apesar disso, elas contêm o segredo da salvação. ‘É evidente — escreve Baudelaire — ‘que a retórica e a prosódia não são tiranias inventadas arbitrariamente, mas uma coleção de regras exigidas pela própria organização da realidade do espírito, e jamais a prosódia e a retórica impediram a originalidade de manifestar-se plenamente. O contrário, isto é, que contribuíram para o florescimento da originalidade, seria infinitamente mais verdadeiro’. (STRAVINSKY, 1996, p.65)

Sob um aspecto diferente, outro importante compositor do século XX, Arnold Schöenberg (1874-1951), especialmente significativo por ter sido o precursor de um novo sistema de composição musical, e por conseguinte, de inquestionáveis ideais modernistas, se não compartilha de todas as opiniões de Stravinsky, quanto ao retorno a formas antigas, as utilizava, em aulas, tendo escrito um tratado composto de três partes: Structural Funcions of Harmony (Williams & Norgate, 1954), Preliminary Exercises in Counterpoint ( Faber & Faber, 1963), e Fundamentals of Musical Compositions (Estate of Gertrude Schönberg). Estes tratados, que resultaram de seus ensinamentos nos Estados Unidos, eram dirigidos, segundo suas palavras, “aos estudantes médios das universidades, assim como aos estudantes talentosos que almejam tornar-se compositores”. Observava também o compositor da Segunda Escola de Viena, que: “as formas-padrão simplificadas, que não correspondem sempre às formas artísticas, auxiliarão o estudante a adquirir o senso formal e o conhecimento dos fundamentos da construção” (SCHÖENBERG:1991,p.28). Querendo nos dizer que, não necessariamente, somente os modelos utilizados pelos mestres antigos são importantes, mas também os novos, que podiam inclusive ser construídos no momento das lições. De onde decorre que se os valores estáticos são nocivos a uma educação para a liberdade de pensamento, para a autonomia, e para a criatividade, também poderíamos afiançar que a desvalorização de lições já conquistadas pelo homem na sua formação intelecto-cultural também será um fator prejudicial a esta mesma educação.

Poderíamos ainda observar que ao construir novos modelos e registra-los, um dia eles se tornarão fórmulas do passado e nem por isso deverão ser descartados. Se a atitude do homem tivesse sido a de ir abandonando o que era por ele mesmo conquistado através dos anos, não haveria registro de nada, e o homem, muito provavelmente, já teria sucumbido pela desvalorização de sua própria memória.

Paulo Freire, educador notadamente progressista, em um discurso seu, em um congresso, o qual gerou o livro, A Importância do Ato de Ler- em três artigos que se completam, fala sobre a importância de uma educação que tenha significado real aos educandos, muito particularmente àqueles, já adultos, que seriam alfabetizados através de um programa que o educador desenvolvia em São Tomé e Príncipe. Na ocasião ele comenta: [...] A insistência na quantidade de leituras sem o devido adentrar nos textos a serem compreendidos, e não mecanicamente memorizados, revela uma visão mágica da palavra escrita [...] parece importante, contanto, para evitar uma compreensão errônea do que estou afirmando, sublinhar que a minha crítica à marginalização da palavra não significa, de maneira alguma uma posição pouco responsável de minha parte com relação à necessidade que temos, educadores e educandos de ler, sempre e seriamente, os clássicos neste ou naquele campo do saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual, sem a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores e estudantes (grifo nosso). (1997, p.17)

Há necessidade de nos relacionarmos de uma forma mais próxima com os estudos, primando pelo estabelecimento de ligações entre as diversas áreas do conhecimento e a fomentação destes interesses nas escolas desde os cursos mais básicos até a universidade. A conservação de disciplinas que estão intimamente ligadas à facilitação do estabelecimento da transdisciplinaridade, à capacidade de apreender uma diversidade de pensamentos e matérias, é algo que somente pode trazer benefícios e contribuir de maneira efetiva para uma mudança de postura de alunos e professores.

Em relação à cultura clássica, aos textos históricos, poéticos, às artes e às ciências, devemos nos lembrar, que uma capacidade de produção variada, um talento para a diversidade de dons, algumas vezes reúne-se naturalmente em alguns indivíduos que realizam obras geniais. Certamente estes são exemplos de talentos extraordinários e especiais, mas que talvez não os tivessem desenvolvido, como o desenvolveram, se não tivessem uma mente investigativa que busca perscrutar todos os assuntos.
Foi este, por exemplo, o caso do alemão, Johann Wolfgang von Goethe (1749- 1832), que além de poeta, dramaturgo e romancista, desenhou e pintou, dedicando-se ainda aos estudos científicos, tendo desenvolvido alguns trabalhos nas ciências, entre eles, contribuindo, no campo da anatomia comparada, com a descoberta do osso intermaxilar no ser humano, e, na física, elaborou uma teoria das cores alternativa à do grande físico inglês Isaac Newton (1642-1727). Se não se encontra facilmente um Goethe, que não obstante seu talento inato, este teve de ser trabalhado e desenvolvido. Este seria, então, mais um motivo para que todos se empenhassem em facilitar para as pessoas comuns uma instrução mais abrangente e eficaz, pois mesmo não se podendo criar gênios há como nutrir mentes para que estas se desenvolvam críticas e criativas.

Relações 

Há ligação entre o ritmo de um verso e dos passos de uma dança, entre as notas tocadas em um instrumento e uma pintura, e estas duas últimas estão ainda interligadas à primeira. Isso pode ser observado de duas formas: uma delas é a da relação estética que têm objetivos e similaridades em comum, e a outra forma é a do relacionamento íntimo dos temas. Ao compor a sua peça musical intitulada D'Apres un lecture du Dante, o compositor húngaro, do período romântico da música, Franz Liszt (1811-1886), ligava-se assim àquele poeta antigo, que escreveu sua obra sem jamais imaginar, talvez, que esta obra falaria, vários séculos depois, à alma de um outro artista. Também, muito dificilmente, lhe passaria pela mente que este artista do futuro criaria uma música que carregaria, no seu íntimo, aquela necessidade de expressar o que sentiu o compositor ao ler aquele poeta, o qual foi o impulso inicial para a realização da referida obra. Assim se estabelece a troca, uma vez que, através da sua música, Liszt faz referência direta ao trabalho de Dante Alighieri (1265- 1321), o que instiga alguns a conhecer o poeta, enquanto outros, por intermédio de um prévio conhecimento das obras do mestre florentino podem vir a descobrir as melodias do compositor romântico.

Os níveis, e a diversidade de linguagens, em que isso ocorre são tantos, que pode até parecer fútil a análise destas relações quando nos deparamos, por exemplo, com relações oriundas de um desenho animado. Mas isso mesmo é o que faz com que sejam justificados o maior conhecimento e a melhor observação de um leque mais amplo de conhecimentos de obras artísticas. Muitas vezes a percepção e o aproveitamento maior ou menor do humor constante de um simples cartoon dependerá da maior ou menor familiaridade com estas relações. Pode se chamar à atenção para a utilização de reconhecimento de obras artísticas em muitos desenhos animados. Para citar apenas um exemplo, esta espécie de utilização pode ser constatada ao se assistir um desenho animado americano intitulado Cirrhosis of the Louvre da série Inspetor Clouseau, realizado pela MGM em 1966. Neste episódio do desenho existe no seu desfecho uma espécie de paródia. Uma citação visual da qual somente se atingirá o clímax da comicidade (que está atrelada ao reconhecimento de uma obra de arte) quem na última cena da animação reconhecer um famoso quadro intitulado: Arranjo em Cinza e Preto (retrato da mãe do artista), do pintor americano James Mcneill Whistler (1834-1903) Poderia se argumentar que é uma pretensão tola querer dar alguma importância a este fato e que o desenho certamente será apreciado independentemente disso. Isto não deixa de ser verdade, porém, o que de fato parece significativo relatar, é a observação de que aqueles que puderem, devido ao seu conhecimento de obras pictóricas, observar a citação realizada naquele momento final do cartoon, certamente serão mais agraciados do que outros no aproveitamento daquele elemento de comicidade que a animação traz, de forma brilhante, como um gran finale.

Para exemplificar um pouco mais a questão, recorremos mais uma vez ao já citado escritor Machado de Assis, com apenas mais um exemplo que ilustra de forma clara estas observações. Ao se chamar novamente este escritor em defesa desta pesquisa, isso é feito por ser ele talvez, dentro do panteão de escritores brasileiros, o que mais tenha lançado mão em seus livros, de uma comparação constante das mais diversificadas obras, autores e filosofias. E ao fazer isso, ao estabelecer estes contatos entre umas e outras, interligando-as, confere-lhes, devido esta mescla de ideias uma maior proximidade com os ideais da transdisciplinaridade.
Observemos, pois, o que ele escreve em 1892, em uma crônica para o jornal A Semana, do Rio de Janeiro: [...] Tannhäuser e bondes elétricos. Temos finalmente na terra essas grandes novidades. O empresário do teatro lírico fez-nos o favor de dar a famosa ópera de Wagner, enquanto a Companhia de Botafogo tomou a peito transportar-nos mais depressa. Cairão de uma vez o burro e Verdi? Tudo depende das circunstâncias. (ASSIS 1962, p.574)

O espectador (no caso aqui, leitor) mal informado, ao ler esta crônica não apreciará nesta introdução, algo que faz toda diferença para a compreensão do humor que traz este início do texto, um humor decorrente da comparação de um modernismo que se desenvolvia na música, com um outro recém inaugurado nos transportes, e a oposição destes elementos: o transporte moderno e o compositor Richard Wagner (simbolizando o desenvolvimento do drama musical moderno) versus o obsoleto burro e o compositor Giussepe Verdi (1813-1901) (simbolizando a persistência de formas tradicionais na composição de óperas). Pode ser difícil que esta observação contida neste texto de M. A., venha a ser lida por muitas pessoas, mesmo pensando em estudantes de letras, uma vez que suas crônicas não fazem parte de seus escritos mais célebres. Mas além de este ser um exemplo de um tipo de associação comum ao autor em todos os seus livros, o mais importante é pensar que estamos diante de uma condição necessária à amplitude de interpretação e compreensão ao olharmos para o trecho referido acima. Certamente não se pode esperar (voltamos a afirmar) que as pessoas possam conhecer de forma ilimitada as inúmeras metáforas e citações que aparecem em todas as obras, ou em todos os tipos de arte. Como, também, de maneira geral, não seria muito comum encontrar em profissionais que lidam com atividades mais afastadas das artes ou da literatura, como por exemplo, engenheiros químicos, cientistas, farmacêuticos, uma sintonia ou uma afinidade com os temas que proporcionassem uma maior facilidade em reconhecer tais referências. A não ser que, no caso específico da crônica citada, estes profissionais tenham por hobby a literatura e a ópera, sendo que ainda assim, em muitos casos, seria difícil o reconhecimento das relações entre os temas para muitos amadores. 

Mas se pensarmos em um estudante de música que esteja muitas vezes mais voltado para as questões práticas do instrumento, e que não procure se aprofundar nos aspectos de interdependência que existe no estudo dos períodos musicais, nas suas diversas tendências, filosofias e de estilo de composição, ou em um estudante de letras que embora possa se dedicar ao estudo literário, não trafegue muito bem por outras artes e desconheça as escolas e períodos da história da música, é muito provável que estes estudantes se por acaso se depararem com o trecho daquela crônica, não poderão saber quais os antagonismos separavam ou separam estes dois compositores de ópera, Wagner e Verdi. Neste caso poderíamos considerar isso uma deficiência na sua formação histórico-musical-literária, caso este estudante não pudesse atinar com o sentido da comparação destas divergências, com aquelas realidades práticas da tecnologia moderna que é colocada pelo escritor. Isto certamente o faria perder, entre outras coisas, pelo menos no momento da leitura deste texto, a oportunidade de absorver a beleza da sutil ironia colocada diante dele, e esta deficiência o tornaria incapaz de ser agente de continuação desta forma ampla de visão multidisciplinar. Da mesma forma, seria incompleta a formação de um professor de literatura, que ao ler o início da crônica, não soubesse, se lhe fosse solicitado que o fizesse, explicar aos seus alunos, o porquê de o autor citar estes dois nomes neste contexto. Logicamente isso poderia ser pesquisado posteriormente, mas o manejo ideal das relações disciplinares pressupõe uma familiaridade ampla com a diversidade de matérias, e aqueles que a tiverem serão professores diferenciados e bem sucedidos.

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E aí alunos e professores de música???? O que acham de correr para a biblioteca de sua cidade e devorar alguns livros? 

Nas antigas coleções de discos de vinil - Mestre da Música - sempre com a música, tínhamos lá um livreto contando toda a história do compositor e também um guia para orientar o ouvinte em suas audições. Todos os cds originais de boa qualidade informam o conteúdo de suas obras, assim como a ficha técnica; tão importante conhecer como a própria música. 

É caros leitores deste ambiente virtual, é preciso correr atrás das irmãs-arte para se aprender música..

E o que vocês estão esperando???

Obrigado amigo Flávio Caldonazzo pelas sábias palavras...............